quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Entrevista: "A Igualdade como Ideal"

Em entrevista à revista Novos Estudos (2007), Ronald Dworkin discorre brevemente sobre a aplicação de sua teoria da "igualdade de recursos" a sociedades (reais) extremamente desiguais, como o Brasil e os EUA. 

- Dworkin: "A Igualdade como Ideal" (entrevista)

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Octávio Ferraz:  Tocqueville escreveu na introdução de Democracia na América que nada do que viu nos Estados Unidos dos anos 1830 lhe impressionou tanto como a "igualdade de condições" dos cidadãos. Os EUA são hoje o país desenvolvido mais desigual do mundo. Sua teoria sobre a igualdade distributiva é compatível, pelo menos em princípio, com desigualdades de riquezas significativas, como as existentes nos EUA e em países como o Brasil. Se os talentosos ficam muito ricos e os não-talentosos são deixados para trás, desde que os últimos sejam compensados pelos primeiros por um sistema de benefícios sociais financiado por impostos progressivos modelado em seu mecanismo hipotético de seguro, a igualdade é respeitada. Não há um ponto além do qual as desigualdades de riquezas se tornam intrinsicamente erradas?

Ronald Dworkin: — Eu acho que não. Em A virtude soberana, observo que transferências dos ricos para os pobres inevitavelmente desfavorecem alguns destes últimos. Então essas transferências precisam de uma justificativa, e a justificativa do seguro foi a melhor que pude construir. Talvez haja uma justificativa melhor para transferências além do ponto do seguro, mas eu não sei qual é. É claro que as desigualdades dos Estados Unidos atual e do Brasil não poderiam de modo algum ser justificadas com o modelo do seguro. Nem as desigualdades de qualquer outro país onde exista grande quantidade de riquezas. Portanto, o modelo do seguro é bastante radical, porém é diferente da igualdade estrita.

O. F.: Nas linhas iniciais de A virtude soberana você diz que a igualdade é a "espécie em extinção dos ideais políticos" e questiona se a igualdade realmente tem importância. No entanto, muitas pessoas que aceitam a igualdade de consideração como uma virtude fundamental têm a intuição de que no campo econômico o que de fato importa não é alguns terem mais que outros (mesmo que essas desigualdades decorram de fatos moralmente arbitrários, como a pura sorte), mas sim alguns (ou melhor, muitos, no mundo real) não terem o suficiente nem mesmo para satisfazer às necessidades básicas. Seu livro parece pregar aos convertidos abordando a questão "igualdade de quê"? Mas o que você teria a dizer aos que perguntam "por que a igualdade"? Em que o resultado prático de sua teoria difere de uma garantia das necessidades básicas mínimas?

R. D.: No mundo contemporâneo, eliminar a fome e outras privações extremas nos tornaria muito mais próximos do ideal do seguro, e talvez, sob uma perspectiva prática, devêssemos todos nos concentrar nisso. Como até mesmo esse objetivo é idealista, pode parecer tolo nos preocuparmos com mais igualdade do que isso. No entanto, da perspectiva filosófica isso é importante, porque é importante enfatizar que o princípio diretor é o da igual consideração. Suponha que as necessidades básicas de todos estivessem garantidas, mas que algumas pessoas tivessem um leque de oportunidades muito mais rico do que outras. Isso teria que ser justificado como consistente com a igual consideração para todos. Poderia ser realizado se o modelo do seguro ou algo parecido fosse implementado, mas não de outro modo.